terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dia de folga



Às terças-feiras descansamos.
Por que às terças? Não sei. A produção deve ter optado por esse dia por razões estratégicas. Talvez para que toda a equipe tivesse um dia útil para cuidar dos seus interesses, viajar e visitar familiares ou aproveitar para passear pela região, ir tomar banho de cachoeira, dar entrevistas para a estação de rádio local e atender jornalistas, visitar o Memorial Humberto Mauro, ou simplesmente relaxar caminhando pelo Horto Florestal de Cataguases. Somos, quase todos, vindos de outras regiões e como passamos o dia todo no set, que sempre fica há pelo menos 1 hora de onde estamos hospedados, esse dia é sempre bastante aguardado para que possamos repor nossas energias sem a obrigatoriedade dos horários.
Terça-feira era o dia dedicado, nas civilizações pagãs, ao deus Marte, o deus da guerra, dos combates. Era cultuado pelos romanos como o deus da ação, da iniciativa, da prontidão para os desafios, da honra a ser defendida. Não era, portanto, exatamente um símbolo de inatividade, de lazer e de um merecido dolce far niente...
Hoje, terça dia 7 de dezembro, marca, também, o fim da 3ª semana de filmagens e como o nosso cronograma prevê 5, já ultrapassamos a metade do que está previsto para que o "Meu Pé de Laranja Lima" finalmente tome forma. Depois é trabalho de pós-produção. E aí vai um outro longo tempo, dedicação e muito trabalho. 
Muito material impresso nos rolos de películas utilizadas, a história de Zezé ganha, a cada lata de filme que segue para o laboratório, contornos mais definidos e o enfoque se aprofunda cada vez mais. Falta, evidentemente, ainda muito para que o filme comece a sua carreira comercial, mas ele já existe. É uma gestação que começa a chegar ao fim. E, aproveitando essa comparação, como na maioria das vezes, existem algumas dificuldades nesse período.
A região escolhida para servir de cenário ao filme é visualmente muito rica. A Zona da Mata mineira, que leva esse nome devido à antiga existência da Mata Atlântica na região (hoje, praticamente devastada), tem um relevo bastante acidentado, constituído por montanhas e vales. Com a diminuição da produção aurífera nos séculos XVIII e XIX, seus exploradores vieram com suas famílias para a região e formaram grandes fazendas de café. A cultura cafeeira finalmente cedeu lugar à agropecuária e às indústrias que hoje se formaram na região.
A transição outono/inverno é, especialmente, conhecida como uma época de muitas chuvas, com transbordamento dos rios e o consequente alagamento das estradas. O calor é úmido e sufocante. O sol é inclemente e o uso de protetores solares e chapéus, uma necessidade. Temporais fazem com que as estradas de terra que dão acesso às vilas e pequenas localidades onde "Meu Pé de Laranja Lima" é filmado se transformem em pesadelos para os motoristas que servem à equipe.
Em algumas ocasiões, as ordens de filmagem precisam ser, de última hora, modificadas devido aos imprevistos do clima da estação; algumas cenas precisam ter suas datas de filmagem adiadas e substituídas por outras, num verdadeiro desafio de logística para a equipe de produção.
Às vezes leva-se horas preparando o set, estabelecendo as luzes, a camera, realizando ensaios finais, ajustando o som, maquiando e vestindo o elenco e a figuração para sermos surpreendidos por uma ventania que teima em derrubar os elementos de cena e equipamentos. Isso quando não evolui para um daqueles temporais que não chegam a amenizar o calor reinante, mas impedem que vans e carros se locomovam, atolados no barro.
Daí então a gente aproveita a terça-feira, o dia de descanso, para pensar o trabalho que ainda há por fazer. E acabamos descobrindo, então, o porque da escolha desse dia da semana para a nossa folga de set. Pois não é que todos, sem excessão, já nem mais se recordam da chuva de ontem que nos obrigou a paralisar algumas cenas que ainda faltavam serem  filmadas, ficarmos encharcados, andar escorregando e nos afundando no barro, etc, etc.?
As conversas giram unicmente em torno do filme que estamos fazendo: de como está ficando, do quanto ainda temos a fazer, de como será a reação das pessoas ao assistirem, dos momentos divertidos durante as filmagens, das emoções que sentimos ao vermos os atores vivendo os dramas dos personagens, de como é fascinante fazer cinema.
É isso aí. Essa gente que se encontra, se irmana e vive o mesmo sonho de ver realizado um filme são verdadeiros guerreiros. Corajosos, destemidos, determinados, cheios de iniciativas, batalhadores, que se recuperam muito rapidamente dos ferimentos dos campos de batalhas e que estão sempre ativos, prontos para novos embates. Até mesmo nos seus dias de folga.
Salve Marte!

Ilustração: Foto de Camila Botelho

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